Por que eu corro? acho que uma das coisas legais do blog é poder, de tempos em tempos, fazer uma reflexão nesse sentido.
Estou com quatro anos de corridas, uns 3 de blog, algumas lesões, muitos bons amigos e, sei lá, umas 15 provas nas costas. Definitivamente passou aquela fase inicial. Já posso dizer que sou um corredor com uma certa experiência, ainda que as contusões tenham reduzindo minha prática nesse tempo.
Não faço prova toda semana nem todo mês. Parte porque a brincadeira sai cada vez mais cara, mas parte também porque não é meu perfil. Não sou um cara tão festivo. Sou um corredor de treino, de dia-a-dia, da repetição para melhorar... gosto de ter metas específicas, e de me dedicar a cada uma delas, claro que com exceções no meio que a vida também é feita de circo.
Embora o entusiasmo inicial tenha passado, incrivelmente minha motivação para correr não diminuiu em nada com o tempo. Muito pelo contrário. Analisando meu início como corredor, quando dividia a corrida com as aulas de spinning, a vontade de correr só aumentou. Interessante isso. Não me lembro de ter feito muita coisa na vida que tenha se tornado melhor com o tempo. Ou não. Sei lá. O sexo também ficou melhor com o tempo. Talvez a própria vida também, que aprendi melhor o que tem valor e o que não tem. Ou não, que, por outro lado, perdi um pouco daquele entusiasmo de quando era jovem e imortal e ainda lutava por meu lugar ao sol. Aos 40 anos e ainda com muitas metas, já estou em uma fase que parece que o lugar ao sol já chegou, o que é muito bom. Só que fica aquela questão do que tem depois do sol. Mas vou fugir desse assunto que ele não á para uma prosa de bar como essa aqui...
Voltando a corrida. Tenho então uma atividade pela qual sou cada vez mais apaixonado, mas que tenho muita dificuldade de explicar. Li então hoje um texto que me ajudou a entender um pouco:
"Each sport has its characteristic phenomenology – what it's like to engage in it, and without direct experience you can only have a vague idea of what that phenomenology is all about: to put it bluntly the essence of sport is ineffable. People who have shared this type of experience can talk to each other meaningfully about it, but an outsider to the activity is also an outsider to the meaning of talk about it.
It's like the blind not knowing what the fuss about seeing colours is all about, or the pre-orgasmic child wondering why adults seem so obsessed with this mysterious thing called "sex".
Traduzindo livremente, seria algo como:
"Cada esporte tem sua fenomenologia característica - como é a sensação de participar dele, e sem experiência direta você só pode ter uma vaga ideia do que é esta fenomenologia: para simplificar, a essência do esporte é inexpremível. As pessoas que dividem este tipo de experiência podem falar umas com as outras de forma significativa sobre ela, mas alguém de fora da atividade também fica excluído da possibilidade de entender o significado do que se fala sobre ela.
É como um cego não entendendo a importância que se dá às cores, ou uma criança pré-orgásmica pensando porque os adultos parecem tão obsessivos com esta coisa misteriosa chamada sexo"
Filósofo Colin McGuin, citado em:
http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/the-running-blog/2013/feb/27/not-running-for-charity
(grifo meu)
Acho que concordo muito com o que tem aí. Nós, corredores, tanto quanto os triatletas ou atletas que se dedicam de verdade a qualquer modalidade, passamos por uma experiência única. Está claro também que não é só com a corrida que isso acontece, como nós apaixonados pensamos. A bailarina que acorda às 4:30 pode sentir o mesmo amor pela atividade que nós...
Por experiência própria, entretanto, só posso falar assim da corrida. Quando ela atinge o âmago de um ser humano, é algo muito intenso. É das coisas mais poderosas que me atingiu e hoje tem participação central na minha vida. Sinto a endorfina na veia, e a falta dela me causa uma sensação ruim, como um apaixonado que se afasta da coisa amada...
Refletindo um pouco mais, entretanto, hoje creio que a corrida significa algo diferente para cada pessoa. Definitivamente, não são todos que sentirão o mesmo prazer em acordar cedo para fazer um treino de tiro, por exemplo. Para mim é uma superação pessoal. Cada vez que acordo cedo para treinar, sinto que estou me tornando alguém melhor. Com disciplina, foco, saúde, enfim... e aí entra também a competição. Ela permite resumir todas essas coisas em algo mensurável, e quem é engenheiro gosta disso, não posso negar. Acredito que minha maior motivação venha da necessidade de ser melhor a cada dia, quantificada na evolução contínua nos meus tempos. Só que essa um dia irá parar e terei que arranjar algo mais para me tirar da cama. Mas eu acho... ah, se acho.
E aí vem a 2ª pergunta. Para que o blog? comecei como uma forma de motivação. De vontade de mostrar aos 4 ventos aquela sensação maravilhosa. De ganhar leitores. Com o tempo, a coisa mudou. Perdi a vontade de fazer aqueles posts do tipo "treinei bem" e, como não participo de muitas provas, fiquei meio sem assunto. Resolvi "falar" só quando tivesse algo mais relevante para dividir. A quantidade de leitores deixou de ser algo relevante. Até porque eles continuam poucos, como deviam ficar. No fundo, somos mesmo uma ilha e quando paramos de vez alguns se lembrarão de nós por alguns anos, certamente nossos entes queridos, mas depois de 100 anos não seremos nada mesmo. Valerá mesmo as experiências que tivemos...então penso que o blog é legal nisso. Com o tempo a memória fica cada vez mais fraca. Ficamos talvez com o que seja essencial, com algumas lembranças. O que está registrado aqui permanece. É um registro desses tempos maravilhosos que estamos vivendo. Somos talvez a 1ª geração que tem uma oportunidade real de deixar registrado quem éramos ou o que pensávamos...
E aí tem também a interação com outras pessoas que comentam aqui no blog. Quando tenho uma dificuldade, todos se prontificam a ajudar, e daí vem o caminho para a cura. Como agora, e isso já aconteceu antes. Ainda que com todos os defeitos, somos criaturas solidárias!
Provavelmente a maioria dos meus poucos leitores já pararam de ler antes, que o texto ficou muito longo e meio sem sentido também, mas, sinceramente, who cares? a procura de mim mesmo é um processo constante e esse aqui ainda é um dos principais meios de me buscar. Alcançar? nunca, que eu sou mesmo um alvo mutante ;-)
Faz bem escrever. Reorganiza as idéias. O diário é para quem escreve, mesmo. Abraço, amigo! Claudio Dundes
ResponderExcluirIsso aí, companheiro! quem não pode pagar analista, se vira como pode ;-)
Excluirabraço,
Sergio
Olá Sérgio.
ResponderExcluirGostei da sua honestidade e sinceridade.
Não sei se é porque acabei de completar um ano de corrida e blog, ainda estou animadão, empolgado e espero continuar assim sempre.
É legal "olhar pra dentro" de quando em quando, às vezes não percebemos mas precisamos nos reorganizar. E isso ajuda.
Obrigado por ser um companheiro de escrita, leitura e corridas!
Deus te abençoe.
Com certeza, Luiz. Passamos por várias fases na vida. Desejo que você continue com essa motivação por muitos anos e, o que é principal, livre das lesões!
ExcluirEu é que agradeço as trocas que fizemos!
abraço,
Sergio
que texto bacana, Sérgio!
ResponderExcluirum texto pra ler, reler, sentindo as palavras ecoando dentro da gente!
é difícil mesmo explicar essa paixão, essa intensidade que a corrida traz pra gente... estou incentivando algumas amigas aqui do condomínio a começarem a correr, saindo pra treinar com elas, e às vezes me pego tentando explicar essas emoções todas que tomam conta da gente enquanto corremos... a emoção de concluir um treino mais difícil... de completar todo um treinamento... a força que dá cruzar a linha de chegada de um desafio esperado, desejado... a alegria de desbravar o mundo com as próprias pernas...
é, who cares? ;)
o blog para mim é a praia... o contato da ilha com o mar... o marulhar... o rebentar das ondas na areia... um mar que traz tanto pra ilha... e uma ilha que dá tanto de si pro mar:)
caraca! viajei nessa onda:)
gostei tanto dessa sua expressão alvo mutante!
também me sinto assim... miro miro miro em mim mesma, e quando finalmente me sinto pronta pra me acertar, eu me escapo:)
(espero que a internet aqui de casa me deixa publicar o comment desta vez) :)
Obrigado, Elis,
ExcluirEstava sentindo falta de você, aqui no meu cantinho. Tenho acompanhado sempre seu blog, embora esteja com uma dificuldade grande de tempo para comentar.
Seu blog parece quase que parte inseparável de você. Reflete seu modo de ver a vida, sua comunhão com o mundo, enfim, o tamanho da sua alma, que é grande demais. É coisa viva, que pulsa, vai e vem, como as ondas do mar que você tanto cita.
Quanto a se reinventar, me parece que essa é a essência. Talvez o link que tenha faltado naquela minha reflexão ali em cima. Quando achamos o lugar ao sol, é preciso buscar outras estrelas para nos guiar, meio que escapando de nós mesmos...
bacana demais.
bjs
Sergio
Meu amigo, bela reflexão!
ResponderExcluirQue a vontade de correr não nos abandone, mesmo diante das lesões e das obrigações do cotidiano.
Beijos
Drica
Drica,
ExcluirAmém, amiga!
bjs
Sergio
Oi, Sérgio.
ResponderExcluirAcho que muitos amigos virão aqui e deixarão um recado neste post. Como se fosse um resgate do blog, sabe. Eu acho que estais passando por um novo processo. Como se descobrisse que correr é o suficiente e se bastasse. No fundo, é isso mesmo.
Coincidência ou não eu pensei nisso hoje. Tbem corro há quatro anos, tenho três de blog e venho priorizando cada vez mais as minhas provas. Gosto de circuitos menores e competitivos. Tem gente que não entende, mas a corrida é para cada um a sua maneira.
Fico feliz em poder compartilhar o mesmo sentimento aqui no seu espaço.
Forte abraço e bons km's!!!!
Helena
correndodebemcomavida.blogspot.com
@correndodebem
Oi, Helena, que boa sua presença. Acho que é isso mesmo, correr é suficiente! boa conclusão!
ExcluirTemos mais ou menos o mesmo tempo de corrida e blog, legal. Em relação aos circuitos menores, é muito bom também. Inclusive há um tempo coloquei um post sobre o desafio que há nas distâncias menores. Importante é fazer o que gosta!
Muito bacana!
abs,
Sergio
Muito legal seu texto.
ResponderExcluirComecei a correr, e virou uma necessidade.
Nem sei como explicar.Minha esposa não entende, mas aceita e apoia.
Correr é bom demais.
Como na meditação, sinto a respiração e ás vezes minha mente está vazia.
thank´s
Valeu, amigo! é o famoso vício do bem, só não podemos ter overdose he he
Excluirabraço,
Sergio
Foi muito legal ler o texto no smartphone e ao abrir seu blog para escrever e ver inúmeros comentários. Eu tinha certeza que não seria o único a lê-lo inteiro.
ResponderExcluirO texto me fez viajar no tempo e lembrei que denominava este mundo como uma tribo, mais que moicanos, pois crescemos a cada dia.
Correr e escrever se tornaram o casamento perfeito em minha vida, pois um amparou o outro em vários momentos. Como você, posso dizer que a vida me fez correr, mas hoje eu corro para poder viver. A endorfina deve viciar, mas o barulho da respiração, das passadas e a paisagem, fazem este esporte único e fantástico.
Quanto ao blog, posso dizer que ele nasceu como ferramenta motivacional, se tornou de integração (inclusive por conta dele tive o grande honra de lhe conhecer) e hoje a prova de que uma vida mudou a partir de uma passada.
É isso aí, meu amigo.
Mais uma vez, parabéns pelo texto e por me presentear com tamanha reflexão.
Boas passadas!
André
http://andreeotenis.blogspot.com
Valeu, amigo!
ExcluirLegal essa interação entre corrida e escrita que você descreve. Nunca pensei assim, bacana isso.
Com o tempo surgiram dúvidas sobre a continuação do blog. Consegui mudar, alterar os propósitos e achar novos objetivos. Importante é continuar e se modificar, assim como você faz!
grande abraço e eu é que agradeço,
Sergio